sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

AS INSIGNIFICANTES MULHERES DA BÍBLIA.


Às vésperas do Dia Internacional da Mulher (8 de março), 
certamente muitos padres, pastores e afins estão folheando suas bíblias, à procura de textos que ilustrem as mensagens que pretendem levar aos seus seguidores naquele dia. 

Maria, Rute e Ester. Posso apostar dez contra um que pelo menos uma dessas mulheres serão citadas na maioria destas mensagens. Já li a bíblia por completo e, sinceramente, ao contrário dos muitos homens, que quase chegam a ser endeusados, não encontrei outras mulheres que tenham se destacado tanto quanto estas (que, diga-se de passagem, podem ser contadas com os dedos de uma mão).

Do alto dos seus púlpitos, os pregadores certamente discursarão com eloquência, por alguns minutos, acerca da relativa importância que a bíblia dá a estas poucas mulheres, satisfarão os seus ouvintes (que nada questionam) e descerão de lá com a sensação de consciência tranquila.

Contudo, se observarmos bem, é desproporcional a importância que a bíblia dá aos homens em relação a dada às mulheres - a eles, dedica vários livros, histórias pormenorizadas, genealogias intermináveis, contagens minuciosas (das quais, descaradamente, sempre as exclui); enquanto que a elas, dedica apenas algumas páginas.

O próprio Deus avalia a mulher como tendo a metade do valor de um homem. Veja, no verso abaixo, como Deus avalia o homem e a mulher:

"Se for alguém que tenha entre cinco e vinte anos, atribua aos homens o valor de duzentos e quarenta gramas (de prata) e às mulheres o valor de cento e vinte gramas." - Levítico 27:3-4

Não é estranho, para alguém que diz não fazer distinção de pessoas?

Tendo como figura principal um deus tão tendencioso para o sexo masculino, não é de causar estranheza o fato de a bíblia conter textos que, com a maior naturalidade, depreciam a figura da mulher.

Poderíamos citar vários deles, mas vamos nos ater a apenas dois.

Ló, considerado um homem justo pela bíblia, oferece suas duas filhas virgens para serem estupradas por um grande grupo de homens no lugar de dois hóspedes estranhos.


Na suposta destruição das cidades de Sodoma e Gomorra, Ló, sobrinho de Abraão, foi o escolhido para ser poupado junto com sua família por ser especialmente correto.

Dois anjos, em forma de homens, foram enviados a Sodoma para avisar Ló e orientá-lo a sir da cidade antes da chegada da chuva de enxofre.

Ló recebeu os anjos com hospitalidade, e então todos os homens de Sodoma reuniram-se em torno da casa dele e exigiram que entregasse os anjos para que eles pudessem "sodomizá-los" (ter relações sexuais com eles).

Onde estão os homens que vieram para tua casa esta noite? Traze-os para que deles abusemos” (Gênesis 19, 5).

A bravura de Ló ao recusar-se a ceder àquela exigência poderia justificar o fato de considerá-lo o único homem de bem de Sodoma, mas a sua auréola se apaga com os termos de sua recusa:

Não, meus amigos! Não façam essa perversidade! Olhem, tenho duas filhas que ainda são virgens. Vou trazê-las para que vocês façam com elas o que bem entenderem. Mas não façam nada a estes homens, porque se acham debaixo da proteção do meu teto” (Gênesis 19, 7-8).

No final, a oferta que Ló fez da virgindade de suas filhas mostrou-se desnecessária, pois os anjos conseguiram afastar os agressores cegando-os por milagre. Eles (os anjos) então advertiram Ló para que partisse imediatamente com sua família e seus animais, porque a cidade estava prestes a ser destruída.

A família inteira escapou, com a exceção da pobre mulher de Ló, que Deus transformou num pilar de sal por ter cometido a ofensa – relativamente leve, como seria de imaginar – de olhar para trás para ver a chuva de fogo.


As duas filhas de Ló fazem uma breve reaparição na história. Depois de a mãe delas ter sido transformada num pilar de sal, elas foram morar com o pai em uma caverna, no alto de uma montanha.

Talvez carentes de companhia masculina, elas decidem embriagar o pai e manter relações sexuais com ele. Estranhamente Ló não percebeu quando sua filha mais velha chegou à sua cama e quando saiu dela, mas não estava bêbado o suficiente para ter uma ereção e, consequentemente, para engravidá-la.

Na noite seguinte, as duas filhas combinaram que era a vez da mais jovem ter relação sexual com o pai. Novamente, "Ló não estava bêbado demais para perceber a presença de sua filha ao seu lado", e, pasme, a engravidou também (Gênesis 19, 31-36).


Se essa família tão perturbada era o melhor que Sodoma tinha a oferecer em termos de princípios morais, então podemos inferir que as coisas estavam realmente feias para aqueles lados.


A história de Ló e os sodomitas ressoa de forma assustadora, mas não foi a única, houve outra com o mesmo teor, porém com um desfecho relativamente mais trágico.

No capítulo 19 do livro dos Juízes, quando um levita (líder religioso) não identificado, viajava com sua concubina e um escravo por uma região próxima à antiga Jerusalém. As coincidências entre as duas histórias, por suas coincidências, nos dão a impresssão de estarmos assistindo à reapresentação de um filme.


Os viajantes decidiram se hospedar certa noite na casa de um velho hospitaleiro. Enquanto jantavam, os homens da cidade chegaram e bateram à porta, exigindo que o velho entregasse seu convidado para que pudessem abusar sexualmente dele (notou alguma semelhança com a história de Ló e os sodomitas?).


E gritavam (quase com as mesmas palavras que os sodomitas usaram): 


"Traga para fora o homem que entrou na sua casa para que tenhamos relações com ele" - Juízes 19:22


Coincidentemente, com as mesmas palavras de Ló, o velho hospitaleiro lhes respondeu:


Não, irmãos meus, não façais semelhante loucura, ... Vejam, aqui está minha filha virgem e a concubina do meu hóspede. Eu as trarei para vocês, e vocês poderão usá-las e fazer com elas o que quiserem. Mas, nada façam com esse homem, não cometam tal loucura!" - Juízes 19, 23-24.


A expressão “poderão usá-las e fazer com elas o que quiserem” é simplesmente aterradora. Com outras palavras, podemos entender assim: - Divirtam-se humilhando e estuprando minha filha e a concubina desse viajante, mas mostrem o devido respeito ele, pois é meu convidado e,  além disso, ele é homem. Não é de causar nojo?


Apesar da semelhança entre as duas histórias, ao contrário do que aconteceu com as filhas de Ló, o desfecho para a concubina do viajante foi trágico, pois, infelizmente, não havia anjos para cegar os estupradores milagrosamente. O viajante entrega a sua mulher à multidão, que a estupra incessantemente a noite inteira. Como mostram os versos abaixo:


E eles a forçaram e abusaram dela toda a noite até pela manhã; e, subindo a alva, a deixaram. Ao romper da manhã, vindo a mulher, caiu à porta da casa do homem, onde estava o seu senhor, e ali ficou até que se fez dia claro”  -  Juízes 19, 25-26

De manhã, o viajante (um homem de Deus) encontra a concubina prostrada na porta e diz, com o que hoje consideraríamos de uma aspereza insensível: “Levanta-te, e vamos”. Mas ela não se moveu. Estava morta. Então ele “tomou de um cutelo e, pegando a concubina, a despedaçou em doze partes; e as enviou por todos os limites de Israel”.

Sim, você leu certo. Pode conferir em Juízes 19, 29.


O desprezo pela vida alheia (principalmente das mulheres) que as personagens envolvidas demonstram ter, e com a qual o narrador parece compactuar, é de causar espanto.


De tão repugnante, o episódio só dá para ser "digerido" partindo-se do pressuposto de que não tenha ocorrido de fato, que seja apenas uma obra de ficção.


Não dá para entender como alguém, em sã consciência, pode aceitar que um livro que concorde com tamanha atrocidade contra as mulheres possa ter sido inspirado por um deus bondoso.

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